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Era primavera |
– Tenham calma e atenção. Procurem resolver as questões mais fáceis em primeiro, deixando as que tenham dúvida para depois. – era o sargento encarregado de fiscalizar aquela prova, procurando ser camarada, a orientar-nos. – Não tentem, nem pensem, nem imaginem, usar de meios ilícitos. Quem for surpreendido será punido com o desligamento do curso; é cada um por si e Deus por todos. Além de mim, ainda há um oficial encarregado de fiscalizar as salas de aula deste corredor. Portanto, não dêem mole. – continuava a dizer ele olhando a classe por cima dos óculos.
Enquanto o sargento falava, eu, precavido, ia pondo o armamento em cima da carteira: duas canetas, lápis, apontador, borracha, e tudo o mais que achava necessário. Era natural que estivesse com aquele friozinho na barriga, mas confiante em camburar aquela primeira etapa. O nervosismo era um estado natural diante do desconhecido, mas havia me preparado a contento, e nada havia a temer.
– Os senhores têm quarenta minutos para a resolução da prova, que contém 25 questões. Depois, ainda terão 5 minutos extra para o preenchimento do cartão-resposta. – continuava o sargento – Respondam somente as questões que têm absoluta certeza, deixando em branco as que tiverem dúvida – repetiu -. Lembrem-se o critério de que três questões respondidas erradas, anulam uma que vocês tenham respondido certa, e assim proporcionalmente. Logo em seguida, escreveu no quadro verde o horário de início, mais (+) 40 minutos, para orientar os alunos, e, por fim, a seguinte equação, destinada ao mesmo tempo a esclarecer, e também a desestimular os chutadores contumazes:
N = nota; QC = questões certas; QT = questões totais; QE = questões erradas
– São agora, no meu relógio, 8 horas e quarenta minutos. Senhores, podem começar.
A sorte estava lançada; que Deus nos ajudasse.
À medida que eu lia as questões propostas e analisava, de cada uma, as quatro alternativas, ia me tranquilizando. Nenhuma surpresa, pois tudo ainda estava fresco na memória. Discretamente, de quando em quando, olhava de rabo-de-olho os colegas para ver como se comportavam. O Américo, o João Vassoura e o Zé Bernardi aparentemente estavam calmos, compenetrados; já o Jorge Silva, o Pedrão e o Chico dos Anjos transpiravam, e seus semblantes correspondiam ao nervosismo, demonstravando dificuldade na resolução daquela prova de Cegeá. A turma era unida, exceção de um ou dois, mas nada se podia fazer. Era cada um por si e Deus por todos nós, como dizia o fiscal:
De quanto em quando um oficial passava no corredor, verificando se tudo estava em ordem. O sargento não mentira. Fui resolvendo uma a uma, deixando duas ou três, que em princípio me deixaram em dúvida, para depois. Estava decidido que não me arriscaria, só assinalando as questões que tinha certeza das respostas. Eu só ia nas boas. Pensando assim, detinha-me com bastante atenção nas alternativas, analisando uma a uma e recorrendo à fresca memória das páginas explicativas da apostila daquela matéria teórica. Via de regra, pelo que observava e pelo que alunos mais antigos tinham nos passado, das quatro alternativas – A, B, C e D -, uma delas se apresentava como sendo absurda; uma outra, regular; e as duas restantes, capazes de balançar o aluno menos convicto. Outra regra, que só fomos observar com a experiência, era que 30% da prova era composta de questões fáceis, 40% de questões medianas e os 30% restantes, de questões de um maior grau de dificuldade. Tudo isso, de forma que para tirar dez, o aluno devia ser muito bom. Em assuntos teóricos, a decoreba, como se dizia, para mim, era estudar e estudar, fazer a prova e correr para o abraço. Resumindo: minha nota dificilmente seria menor que oito. Mais outro teste daquela matéria, e essa disciplina faria parte do passado.
Com trinta minutos já resolvera toda a prova, respondendo 22 das 25 questões propostas. Deixei três delas, por não ter absoluta certeza da resposta, em branco. Gastei mais cinco para transferir as respostas para o cartão, o que fiz com muita atenção, entreguei tudo ao fiscal e saí.
Mas adiante, um pouco distante do corredor onde era proibido permanecermos naquela hora, juntou-se uma roda a discutir as questões da prova.
– Você viu aquela questão 16, como tava capciosa?
– Na minha opinião essa tinha mais de uma alternativa certa.
– Que nada, eles fazem assim para confundir o aluno.
– Para mim, a prova foi mais ou menos. Mas acho que deu pra camburar essa.
– Essa 16 tava fácil. Essa matéria é da página 54 da apostila.
– Difícil mesmo era a 23, e a alternativa A era a do afoito, uma pegadinha pra ferrar os mais apressados.
À medida que discutíamos a prova de Cegeá, os demais vinham se juntar a nós em papo acalorado. Alguns empolgados, creio que a boa maioria; uns e outros, nem tanto. Enquanto dissecávamos a prova, uns se enchiam de empolgação, animados por verem confirmadas ali em concenso as respostas dadas. De quando em vez, porém, notava a expressão de contrariedade de alguém, quando, um de nós, provava por ‘a’ mais ‘b’ que a resposta de determinada questão era a alternativa A e não a C, vinha mais um outro que, consultado, concordava que a C não estava certa, e sim a A. Já tinha visto aqueles semblantes antes, e ficava triste comigo mesmo quando percebia.
– O que você acha, Quinze Setequatro? Você que cepou bastante no final de semana.
– É verdade. Cepei muito essa apostila, mas é melhor mesmo é a gente aguardar a divulgação do gabarito. – disse eu ao grupo.
– É, sim. – concordava a maioria. E o grupo dispersava-se, procurando aproveitar ao máximo aqueles minutos extra, que eram raríssimos no Ceá.
Ainda tínhamos meia hora ou quarenta minutos daquela manhã. Antes do almoço, ainda havia algum tempo para levar a roupa de cama à lavanderia, porque era o dia da nossa esquadrilha ou até mesmo, para os mais aplicados, voltar aos livros para prova da terça; outros, iam ao correio enviar carta à família ou à namorada; outros ainda, simplesmente achavam jeito de tirar uma sonequinha. A tarde correu com algumas instruções teóricas, que em geral nos causava sono, para depois, às quinze, iniciarmos a prática de ordem unida ou educação física, conforme o quadro de atividades previsto.
À noitinha era cepar para a prova do dia seguinte, não perdendo o horário do brochante. Um tigre a cada dia, e assim íamos superando a cada obstáculo.
Uma resposta em “HISTÓRIA de luta: as primeiras avaliações”
[…] Posted 20 20America/Belem dezembro 20America/Belem 2011 by ANTONIO Valentim in Uncategorized. Deixe um comentário Capítulo 10, continuação da postagem anterior. […]
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