Concluí e cogitei que ao final da tarde iria à cidade. No caminho de volta ao alojamento dei de cara com outro aluno, bastante conhecido nosso. Foi com surpresa que o avistei com uma pasta cheia, cumprimentando-o feliz por não ser o único aluno naquela imensa Escola, como até então havia cogitado.
– Olha quem eu vejo?! Oh seu padre!, digo, olá Pontes!
– Oi, Quinze.
– Pensei que eu era o único aluno aqui na Escola?!.
– Cheguei na semana passada.
– Tão cedo!? E essa pasta recheada aí?
-Verdade. As pastas tão cheias de apostilas. Eu fiquei sabendo que a Deí já estava distribuindo as apostilas deste semestre, então fui lá e já comecei a cepar uma delas. Quer ver?
– Obrigado, por enquanto vou deixar pra depois. Mas…
– O que é?
– Uma coisa me intriga, Pontes: Você é daqui de pertinho, do estado do Rio, e já está aqui na Escola. Eu, sim, tenho razão de chegar cedo, pois vim de avião da Fab, que não tem data certa…
– É pela minha dificuldade, sabe, essas apostilas… eu preciso estudar, entende…
– Sei.
Seguiu adiante, creio que em direção à praça que fica em frente ao Cassino, e eu, de volta ao alojamento, onde tomaria um belo banho e me aprontaria para sair.
Tudo muito estranho no seu Padre, – pensava enquanto me ensaboava – tanta dificuldade assim a ponto de chegar tão cedo de volta à Escola, mas havia colegas antes – eu já ouvira comentários – que diziam que tudo era uma pseudo dificuldade, um faz-de-conta ou coisa assim, e que na verdade Pontes era um cara inteligentíssimo, arguto, observador, daqueles de pouca conversa mas exímio ouvinte, do tipo coruja que não fala mas que presta muita atenção a tudo e a todos em sua volta. E agora, Pontes, que morava no estado do Rio, pelo que estava na sua ficha, e pelo que ele próprio houvera dito uma ou duas vezes, estava já ali de volta à Escola, três ou quatro dias mais cedo até que eu. Bem, talvez, apenas mais uma brincadeira do pessoal sabendo de que sempre alguém como eu está ouvindo a conversa, certamente essa turma era fã de filmes de suspense, de zero-zero-sete, de espião, agentes secretos de dupla identidade, de psicopatas ou coisa do gênero. Como neste mundo tem gente com imaginação! Cuidei de botar o quinto, já com a insígnia de segunda série.
No Pássaro Marrom ouvi um passageiro contando a outro sobre um homicídio que tinha ocorrido ali próximo, não tendo eu entendido exatamente onde. Ao que me pareceu uma jovem fora cruelmente assassinada, não sabendo a polícia ainda definir qual a causa. Ouvi porque quem falava não fazia questão de guardar segredo, e a interlocutora, uma mulher dos seus cinquenta anos, também respondia em tom de voz suficiente para que quem estivesse em volta escutasse. Coisas de quem compra jornal por causa da manchete em letras garrafais numa espécie de curiosidade mórbida, bastante explorada pela imprensa sensacionalista. Desde aquela época esses assuntos sangrentos não me interessavam, não obstante o teor da prosa não me fugiu à memória por algum tempo.
Na cidade, a volta obrigatória na errepeeme, que, devido às férias da alunada, estava às moscas, como se aquele logradouro fosse uma propriedade particular do Ceá, das Marias do Ceá e do Romeiro Dias (‘aluno só é pobre porque quer’, cheguei a ouvir ou imaginar quando passava por lá nessa ocasião). Como fizesse calor, e também pela força do hábito, entrei no bar da portuguesa. A lista de findu estava quitada, de forma que o peéfee e a cerveja gelada estavam garantidos, e logo estavam na minha mesa. Desta vez policiei-me de modo que aquelas loiras geladas não me derrubassem como fizeram doutra vez, trazendo-me prejuízo duplo: moral, pelo pesadelo, baixa hospitalar e zoação; e intelectual, levando-me àquela derrocada na prova de Matemática. Não, desta vez a mim não sucederia semelhante problema.
À certa altura, ainda na segunda ampola, que degustava devagar, já à noitinha, – olhei a um relógio de uma das paredes – e eram vinte horas e minutos, numa mesa próxima à minha alguém começou uma briga, que de início era só de palavras feias, mas que, pelo andar da carruagem, viria a descambar ao desforço físico, não se sabendo prever as consequências daquilo: olho roxo, sangue, cadeia? Tratei de fazer anotar as despesas no livrinho de findu, dizendo o meu nome – nem precisava pois já o conheciam de cor -, e casquei fora dali, voltando à Escola mais cedo do que desejava, antes que uma garrafa ou mesa pudesse me atingir. As orientações do Sapão eram bastantes claras sobre aluno meter-se em confusão na cidade.