Capítulo 24, continuação da postagem anterior.
Mas, como não há mal que sempre dure nem bem que nunca se acabe, eis que o socorro viria de onde menos se esperava. Chegou ao conhecimento do Caveirinha, ou melhor, o sargento Cunha Pinto, o meu drama. Mostrando seu lado gente-boa, resolveu me ajudar. Contei-lhe da suspeita de que aqueles sargentos que vira numa outra vez conversando podiam saber de algo. Prometeu que iria falar com eles, fazer o possível para elucidar o caso, tirando-me daquela enrascada.
Enquanto isso a vida seguia seu curso no Ceá.
Naquele semestre iria acontecer o 11º Ficca, festival interno da canção do Ceá. Alguns colegas iam concorrer. Quantos dotes artísticos estavam ali escondidos naqueles jovens; jovens esses que, tivessem oportunidade, estivessem na hora certa no lugar certo, certamente brilhariam no cenário musical brasileiro, fazendo fama e fortuna. Em se tratando de dom artístico e de talento esportivo, não basta ser bom, tem que ter estrela, além de padrinho. Quantos jogadores de futebol, escritores, atores, comediantes ou cantores não dariam alguns daqueles jovens, que, não trocando o certo pelo duvidoso, optaram por seguir a carreira militar?
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Fiquei imensamente grato ao Cunha Pinto, recusando-me a partir de então a chamá-lo pelo apelido. Vejam quanta gente passa, ao longo deste estágio chamado vida, pelo nosso caminho a nos ajudar, a nos dar a mão amiga. Em consequência a punião foi anulada, e minha ficha refeita. No entanto, o trauma, que me permaneceu indelével na memória, deu-me a lição, e, a partir de então, excetuando ter ido ao local para saldar o débito, apagando aquela famigerada folha de caderno, nunca mais pus os pés no bar da portuguesa. Não mereciam a honra da minha presença, tampouco receber de mim os cruzeiros que conseguia com suor e lágrimas naquela Escola. Além de amargarem o prejuízo do quebra-quebra, perderam um cliente, um bom cliente.
Noutro dia a anedota era sobre um tal Benito Fernandez, um primeiro-sargento.
– O cara era tão falador, fofoqueiro, que não parava em unidade nenhuma. Vivia sendo transferido como castigo. Era de Manaus pra Belém, Belém pra Salvador, Salvador pra Porto Alegre… Uma vez em Anápolis, ele em companhia do chefe, um major especialista, no hangar, fez o seguinte comentário: “Mas meu chefe, eu estou preocupado com o tenente Loureiro. Por que, Benito? – quis saber o chefe. – Veja bem, não seria melhor mandar uma ambulância? – deixe de rodeios. – É porque faz dois dias que ele não vem trabalhar, meu chefe. Será que ele não está doente?” O apelido dele era Santelmo, aquele que não sabia mentir.
Esse era um Cunha Pinto que, por não o conhecermos, temíamos. Contava agora mais uma vez das suas anedotas, coisa que dantes somente o fazia entre os sargentos. De pouco tornara-se hábito ele contemplar também os alunos, os alunos da minha turma, levando-os às gargalhadas. Tudo era uma forma de tornar menos duros aqueles dois anos.
Não obstante, o tempo corria celeremente. Ao cabo de algumas semanas, já estaríamos sendo chamados para escolher a especialidade. Seria o ofício rotineiro que nos viria a acompanhar por mais 28 janeiros, pelo menos.